Você conhece alguém que decidiu deixar seu emprego formal nos últimos 18 meses? Conheço várias, mas não temos ainda uma estatística formal no Brasil. Os EUA estão vivendo o que o prof. Antony Klotz previu como “The Great Resignation”, ou a “Grande Evasão do Trabalho”. São 4.3 milhões de americanos, 2,7% da população ativa (Washington Post). O número da Inglaterra também é alarmante, pois um em cada quatro colaboradores pensam em mudar de trabalho (The Guardian). Um artigo da BBC ainda reforça a ideia que na condição de animais sociais, somos contagiados pela decisão de colegas que decidem fazer uma transição. “Se ele (a) teve coragem, o que me segura aqui?” É consenso que este último um ano e meio mudou significativamente a forma de pensarmos a vida e o papel do trabalho. E ainda, vivemos uma espécie de choque coletivo: A vida é curta! O que estou fazendo da minha?”
Minhas principais perguntas são?
Como esse fenômeno pode nos ajudar a esculpir uma atualização da palavra sucesso?
O que isso significa para as empresas?
O que a liderança pode e deve fazer?
E você, onde está nas estatísticas? E no seu coração, como se sente vivendo nesse caldeirão de novas possibilidades?
E quem decidiu deixar o emprego? Qual foi a motivação?
Um gatilho poderoso desse movimento foi a obrigatoriedade do retorno 100% presencial, que algumas empresas e/ou líderes impuseram. É uma ingenuidade imaginar que exista um retorno ao passado. Somente caminhamos rumo ao futuro: se desenvolvi habilidades e recursos para novas formas de trabalho, assegurando performance e resultado, e ainda conquistei flexibilidade, porque vou abrir mão desse avanço? Já escrevi em outro artigo sobre como integrar o aprendizado da pandemia. (link)
Outro fenômeno poderoso foi a sensação de querer trilhar um novo caminho profissional, que seja mais autêntico e melhor reflita nossa essência e habilidades. Uma intenção que estava escondida em nossa mente, que faltava coragem para acessar, de repente, assim como o próprio lock down, veio como um knock out. Nessa hora não dava para empurrar mais uma vez para a caixa de sonhos. Foi preciso desembrulhar e olhar de frente para essa nova versão possível de nós mesmos.
Um dos caminhos trilhados foi perceber que é possível viver com menos coisas materiais e mais momentos fazendo o que importa, o que gostamos, o que nos dá significado. Como já disse o querido Mujica com sabedoria “Isso não é uma apologia à pobreza, mas um convite à sanidade.” E aqui eu adiciono: é um convite à felicidade, à uma atualização da palavra sucesso.
Mudou algo na sua definição de sucesso?
Quando a gente vive dentro da roda do rato durante muitos anos, é raro sentirmos o convite para observar a situação com alguma distância e começar a nos questionar sobre o valor das coisas, e principalmente das não coisas, como: nosso bem-estar, o significado das experiências que vivemos, a qualidade das relações com nossa família e amigos, como estamos servindo ao mundo ou nossa real vocação versus resignação.
Mas dessa vez foi muito além de refletir no sofá da sala no Domingo à noite. Foi uma rasteira cósmica que incluiu pensamento, emoções e a mudança radical de uma rotina. Fomos lançados da roda sem aviso e obrigados a reinventar todo um estilo de vida. Repensar as escolhas não foi uma escolha, mas um mandamento. Do universo, de Deus, do Corona, da natureza. Isso não importa, foi para todos e no estilo democrático.
Será um convite para sair da ilusão, como a queda do véu de Maya, que esconde a realidade? O que emerge é uma versão mais honesta, autêntica e livre de nós mesmos. Deste lugar desenhamos, pintamos, esculpimos nossa versão única de sucesso. Sem comparações, sem copia e cola, sem esforço desenfreado e, principalmente sem sofrimento. Podemos pegar uma folha de papel e escrever quais são os três itens mais importantes da minha vida, e decidir levar uma vida coerente com essa revelação.
E as empresas? Que convite estão recebendo depois do Lock down e Knock out?
O convite para se tornarem o lugar onde as pessoas querem estar, participar, contribuir, criar, crescer, evoluir. Elas se sentem parte de algo maior e com significado. E mais importante: se sentem ouvidas e contempladas de forma genuína. A melhor definição para este sentimento, veio nas palavras do meu amigo e sócio Leon Kaiser, “as pessoas querem amor: conectar-se com o outro de forma genuína”.
Para isso acontecer, as pessoas, os lideres devem estar dispostos a estarem mais conectados com seu coração, sua essência. Gosto de me lembrar que a distância entre mim e o outro é a mesma que a minha comigo mesma. Sei por experiência em organizações, que quando a liderança se conecta com as pessoas de forma genuína, aberta, vulnerável, humana, a empresa vira o melhor lugar do mundo para fazer parte e realizar um propósito coletivo. As pessoas querem contribuir com aquela comunidade, crescer e evoluir junto. Presencial, híbrido, full homeoffice! Essa será uma escolha feita em conjunto considerando as necessidades do negócio e das pessoas.
Para muitas organizações, que ainda estão operando com fundamentos do passado, onde a pessoa é vista através da função e as relações são em essência estruturais, há uma transformação de dentro pra fora a ser realizada. Não tem nada de automático nisso. É um trabalho de cura e abertura do coração. É muito poderoso e gratificante acompanhar essas jornadas de transformação coletiva. Percebemos que grande parte do sofrimento e peso que carregamos é desnecessário.
E o que a liderança pode fazer?
Se desfazer do peso que carrega. Deixar de querer ter todas as respostas e achar que conhece todos os caminhos possíveis. Não criar distância entre as pessoas. Falar das suas dores e dificuldades. Ouvir as pessoas sem nutrir julgamentos. Dar espaço para o time experimentar e arriscar. É preciso coragem para olhar para nossas limitações humanas e começar essa transformação de dentro pra fora, mas os líderes que acompanhei e fizeram isso, assumem que não querem voltar para o modelo antigo. Não tem como voltar ao que era, lembra? Só andamos rumo ao futuro.
E com relação a Grande Evasão do Trabalho? Do ponto de vista financeiro, a saída de profissionais qualificados é um grande prejuízo, pois em muitos casos o investimento em treinamento dura mais de dois anos. Muitos líderes, na tentativa de manter a pessoa, continuam com práticas de mais bônus ou salário. Mais uma ingenuidade imaginar que de forma isolada, mais dinheiro é ferramenta de retenção. Com a liderança atualizada é possível cocriar um espaço para novos modelos de trabalho, pautados em relações de maior confiança, autonomia e conexões genuínas.
Para as pessoas talentosas escolherem ficar na organização, elas vão sentir a alma dessa comunidade, as relações, a coerência entre discurso, não, diálogo e prática. Seguramente juntos vão encontrar maneiras de melhor atender o negócio e o cliente em formatos de trabalho emergentes, ou que ainda nem conseguimos imaginar.
E você, onde está neste momento histórico quando um vírus desmontou grande parte do nosso quebra-cabeça?
Começo por mim. Faço parte da estatística de pessoas que deixaram um emprego para se lançarem em algo novo. No meu caso, quis experimentar este lugar em que o malabarista solta um dos balanços e fica alguns segundos no ar. É um ato de fé, não um ato de loucura. Esta coragem vem do meu passado que eu honro e agradeço e de uma confiança no futuro que vejo como abundante e próspero. Assim eu vivo esta vida que se transformou. Sigo montando novos quebra-cabeças com peças antigas e novas. Nada se perde e não existe isso de dar um passo para traz na carreira. Esta é outra ilusão: estamos em constante evolução da nossa consciência e por isso caminhamos para frente, para o futuro que estamos criando com as escolhas de hoje.
Você? Que peças tem aí? Aprendi que em muitos casos, é boa ideia tirar a cabeça da imagem que criamos n passado, parar de tentar encontrar as peças que faltam e se permitir visualizar novos caminhos possíveis. Práticas de respiração e foco da atenção, que nos ajudam a esvaziar o barulho da mente e calar a voz do medo são essenciais.
De forma quase mágica novas imagens começam a surgir. Você vai saber a hora de segurar no outro balanço do malabarista e começa a se conhecer mais, aprender a se arriscar mais, sentir-se mais seguro e confiar no futuro com o coração cheio de gratidão. Assim, poderá esculpir sua definição única de sucesso.
Me conta a sua experiência.
Vou adorar saber.