Caminho de dentro para fora
Com uma pseudo confiança, após a vacinação e queda nos índices de contágio do vírus da Covid19, nós começamos a vislumbrar novas possibilidades de futuro. É peseudo pois continua a ecoar em nós uma voz que diz: medidas restritivas podem ser novamente instaladas. Nada é tão definitivo e seguro como parecia ser no passado, antes de vivermos este trauma coletivo. Nesta fase de desenhar e implementar modelos de trabalho que integrem o bom do passado e o aprendido na pandemia, é necessário atenção especial a três elementos essenciais: o estado psicológico das pessoas, às mudanças na forma de realizar o trabalho, e ao chamado pela aceleração da transformação cultural, pedindo por organizações humanizadas com líderes compassivos.
O que seguramente não irá funcionar é continuar a viver e trabalhar como se perdas e dores não houvessem existido, negligenciando as dificuldades vividas durante a fase aguda do trauma. Ao carregar essas sombras sem contemplá-las de frente, perdemos a oportunidade de aprender mais sobre nós mesmos, nos relacionarmos melhor com o outro, e por fim chegar do outro lado, sentindo-se transformado e fortalecido pela experiência.
O que é um trauma coletivo e qual é o papel da liderança?
Ninguém escolhe estar traumatizado. Isso não é uma escolha consciente. Mas ao viver experiências de dor e sofrimento em nosso próprio corpo, ou com pessoas queridas, ou mesmo seres distantes, que assistimos em cenas ou ouvimos relatos descritivos de dor, a experiência se instala em nosso corpo e se transforma em um trauma. A intensidade de dor que vivemos juntos, durante a fase aguda da pandemia, caracteriza-se como um trauma coletivo. Na dimensão das emoções o medo foi instalado em nós, se manifesta no corpo físico; e no diálogo interno de uma mente condicionada pela incerteza e insegurança sobre o futuro.
Cada um de nós reage de uma forma diferente ao trauma, mas ele continua condicionando o bem-estar, a performance, o contentamento das pessoas e consequentemente das organizações. De acordo com Thomas Huebl examinar nosso trauma coletivo é o caminho para acessarmos a inteligência evolutiva da humanidade.
Se a tendência da liderança é aumentar o controle e o espírito de autopreservação, pesquisas demonstram que este é o momento dos líderesolharem para seus medos e ansiedades e apoiarem os times a lidarem com suas dores, dificuldades e fragilidades. As principais habilidades da liderança em situações de trauma coletivo é a vulnerabilidade e compaixão (McKinsey)
Qual é o papel da liderança no momento de reintegrar as pessoas em novos estilos de trabalho?
1- Comece criando espaço para acessar uma consciência mais apurada do que
está acontecendo dentro de você e ao seu redor. Que sentimentos estão presentes? Você é capaz de nomeá-los? Quais foram as suas perdas e como se sente sobre elas?
Ao se encontrar com as pessoas sinta o ambiente antes de começar com os temas de negócios. Uma pergunta simples: “como você está?”, pode abrir um portal para que o ser humano atrás do crachá possa se manifestar sem medo.
2- As pessoas do time irão abrir seus sentimentos se o líder for exemplo. Então, seja ousado em exibir vulnerabilidade, mostrando suas fragilidades. É hora de compartilhar como foi sua experiências, suas dores, perdas e aprendizados.
3- Demonstre empatia para melhor perceber as emoções que os outros estão sentindo. Permita alguns espaços de silêncio, sem a compulsão de preenche-lo com dicas e histórias pessoais. É o momento de ouvir com o corpo todo. Perceba se há incômodo, rigidez ou abertura e receptividade em sua postura.
4- Ao se manifestar, apresente-se com compaixão, para que as pessoas se sintam genuinamente cuidadas. Não se trata do que você faria no lugar do outro, ou dar dicas sobre o que fazer. Trata-se de ser alguém confiável, amável e capaz de acolher sem julgamento o sentimento do outro.
5- Cultive essas qualidades de forma equilibrada, primeiro ajustando
para dentro para compreender e integrar suas próprias emoções, e então voltar externamente para aliviar a dor, apoiar os outros e, ao longo do tempo, capacitar as pessoas e o negócio para se recuperarem.
E agora, como integrar o bom do passado e o aprendido na fase aguda da pandemia em novos modelos de trabalho?
Não tem modelo definido e isto é uma ótima notícia. É então um convite para cocriar modelos que possam convergir interesses e necessidades individuais e coletivas. Da perspectiva individual é um chamado para dissolver barreiras rígidas entre trabalho e vida pessoal, e experimentar modelos que priorizem o bem-estar das pessoas, o que leva a melhor performance. E é claro, isso somente será autêntico e sustentável sendo a liderança o exemplo.
A presença física em modelos híbridos de trabalho tem o potencial de se transformar em experiências de maior conexão e nutrição das relações. Ir para o escritório se transformou em uma oportunidade de aprofundar os vínculos e priorizar trabalhos mais interativos e criativos. Ir para o escritório precisa fazer sentido. Se faz sentir, faz sentido.
Algumas perguntas são essenciais para desenhar modelos possíveis de trabalho:
Como estabelecer a volta do presencial com respeito às minhas necessidades e necessidades do outro. Aqui incluem as ações de autocuidado: distância, máscara, abraços.
Qual é a visão do meu time? Como queremos trabalhar juntos?
O que o negócio está pedindo de nós?
Como vamos nutrir nossas relações?
Teremos algum espaço para temas fora do negócio, para desfrutar e cuidar uns dos outros?
Como celebramos nossas conquistas?
Como seria um ritual de conexão para nos sentirmos juntos, mesmo que fisicamente separados?
Que tal construírem juntos e experimentar? Os ajustes vão ocorrendo com as experiências e percepções, considerando necessidades individuais e o chamado do coletivo. Aqui incluem as necessidades do modelo de negócio, os clientes, as outras áreas, os demais colegas. É um processo vivo e dinâmico que exige autonomia e discernimento.
A Aceleração da transformação cultural, chamando por líderes compassivos
Pesquisas demonstram que o fenômeno Covid19 foi um acelerador da transformação cultural rumo a organizações centradas no ser humano (McKinsey). Acredito que a tendência vá além disso, pois a responsabilidade extrapola o ser humano nas suas dimensões física, mental, emocional e espiritual, e inclui a dimensão sócio-ecológica.
Já em 2010 sabíamos que motivação para o trabalho incluía autonomia, maestria das habilidades e propósito (Pink, 2010). Nos últimos 10 anos pesquisas apontam para modelos onde o ser humano está no coração da organização, nas chamadas organizações teal (Laloux) ou humanocracia. O que todas tem em comum é que as organizações de sucesso nutrem relações de empatia com as emoções das pessoas, onde a liderança se mostra vulnerável e compassiva consigo mesma e com o outro.
Não é novidade que líderes compassivos tem resultados melhores. Mas, com o fenômeno Covid19, a coragem de se mostrar imperfeito e demonstrar genuíno interesse em olhar para a dor do outro, tornaram-se as habilidades capazes de mover pessoas e organizações para um lugar de sucesso inclusivo e sustentável.
E você? Tem conseguido acessar suas emoções e se conectado com o outro? Como é se colocar num lugar vulnerável?
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